quinta-feira, 25 de outubro de 2012

PROFESSOR DOUTOR CYRO DE BARROS REZENDE FILHO

UMA PERDA IRREPARÁVEL


Por um curto período fui aluno do Professor Cyro, quando em 2006, matriculei-me num curso de especialização sobre História Contemporânea do Brasil na Unitau. Era um grupo de 15 ou 16 alunos. Eu era o mais velho. Tinha um militar, professor de Institutos Militares, e um médico. Formávamos, os três, o grupo mais maduro, enquanto que os demais era todos jovens recém-egressos dos cursos de graduação, portanto, animados e entusiasmados com as lides universitárias.  Eu era o mais retraído, pois de experiência levava apenas  a minha vivência no magistério em escolas públicas. Contribuía, sim, com os debates, porém com muita reserva. Mas infelizmente, com pouco mais de um semestre de curso tive que abandoná-lo, por circunstâncias alheias à minha vontade. A minha filha estudava ma mesma universidade, no curso de graduação em História iHe era igualmente aluna do Prof. Cyro. Algum tempo depois, encontrei-me com ele no campus da Universidade. Interpelando-me disse: “Volte rapaz, você está fazendo falta aqui. Sua experiência é muito relevante para nós...” . Não voltei... Mas suas palavras calaram fundo em minha mente.
Natural da capital paulista, seu pai era médico (Cyro de Barros Rezende) e sua mãe poetisa (Fúlvia Carlini de Carvalho Lopes). Ficou órfão de pai aos 13 anos de idade. Rormado na USP, em História, com Doutorado e Pós-Doutorado, escreveu vários livros, entre eles “Guerra e Guerreiros na Idade Média” e “Economia Brasileira Contemporânea”.
 
O Professor Cyro era uma Medievalista, isto é, especialista em História Medieval, que aliás, foi tema de seu pós-doutorado, e “Gramsciano”, seguidor das idéias de Gramsci. Morou um tempo na Inglaterra, período em que fez pesquisas no campo da História Militar.
 
De estatura acima da média, sua figura era única, pois adorava estar entre os alunos, que o provocavam apenas para ouvir dele as respostas diretas, sem meias palavras, às vezes rudes, de acordo com o nível das perguntas. Professor no mais tradicional estilo dos grandes mestres, era enérgico, rigoroso nas notas, porém tinha um “quê” de humanismo em sua postura.

 O Professor Cyro personificava, a meu ver, aquela que pessoa que perpassa todas as etapas da vida no que Maslow determinou como a “Hierarquia das Necessidades”, cujo ponto mais elevado, o cume, o apogeu é a “Auto-realização”, ou a conquista do Conhecimento Holístico, onde a expressão “Holo”, no original grego, significa o “todo”. Tal nível de conhecimento se adquire como o Professor Cyro adquiriu, com estudos constantes, pesquisas e com o pós-doutorado. Até parece uma utopia em tempos tão banais, como os de hoje, quando são oferecidas à população sob o apanágio de uma intensa mídia, leituras fáceis, eivadas de superficialidades.

Da minha convivência com o Professor Cyro veio um ensinamento importantíssimo e que foi protagonizada pela minha Filha Bárbara Kelly. Ela, curiosa, perguntou como ele adquiriu tanto conhecimento e sua resposta foi pronta: “... lendo biografias!”

Quando nasce uma criança ela vem ocupar um lugar que é somente seu... E quando ela se vai esse lugar volta a ficar vazio. E foi o que aconteceu no dia 26 de Setembro: o Professor Cyro sofreu um infarto quando trabalhava em seu computador. Foi encontrado morto no outro dia e ao seu lado estava aberto um livro sobre a Idade Média.

Bárbara Kelly Gonçalves dos Santos
Muito mais do que eu, minha filha Bárbara Kelly Gonçalves dos Santos vivenciou intensamente, na sua passagem pela Universidade de Taubaté, as relações professor-aluno, ela e Cyro. O que segue é o seu depoimento.

"Eram das três da manhã e eu me encontrava dormindo... debruçada sobre um livro de História. A página, toda rabiscada, versava sobre “Cruzadas” e “Movimentos Messiânicos Israelenses”. Eu havia sucumbido ao Deus do Sono... depois de muitas horas de estudo e muita pressão psicológica. Mas a campainha dentro do meu cérebro já se punha a tocar, pois ainda havia muito o que ler,  o que saber,  o que compreender... Eu teria prova de História Antiga às dezenove horas se aproximava célere. Dentro do ônibus, a caminho da faculdade, eu ainda lia desesperadamente, meus apontamentos. Cheguei a cochilar e a agarrar o braço da senhora idosa que se encontrava ao meu lado. Pobrezinha! Nem imaginava como eu estava nervosa. Precisava tirar uma nota relativamente alta, mais que oito de preferência. Não podia perder o ano, não podia decepcionar o meu pai, e é claro, tinha que mostrar aos meus companheiros de classe, muitos deles repletos de soberba em relação a mim, a menininha esquisita de cabelos coloridos, que eu estava cruzando as veredas corretas da intelectualidade. Como eu ainda era imatura!... Sim,  com certeza! Sentimentos de criança ainda rondavam a minha esforçada mente universitária. Mas o que eu queria mesmo era impressionar o professor, o sujeito mais fora do comum que eu já conheci na vida. Ele detinha uma quantidade tão gigantesca de conhecimento que eu deseja arduamente ser como ele. E esse conhecimento se misturava a um senso de humor que beirava a crueldade, admito. Mas aquele jeito de ser era fantástico. O verdadeiro historiador... o dono da verdade (não absoluta). Eu simplesmente não podia tirar uma nota vermelha, seria muito constrangedor... Seria triste... Seria o fim do mundo! Eu havia prestado muita atenção a cada palavra do professor nas aulas. Anotei, desenhei, rabisquei; eu queria muito ser uma professora como ele, um dia. Fiz a prova em menos de uma hora e sai confusa. Tinha me saído bem? Não sabia dizer. Na próxima semana, me veio a resposta: 10 com louvor! O professor me chamou à frente e disse, com sua ironia costumeira e que tanto me divertia, que deveria ser feito um busto meu na faculdade. Senti-me feliz como poucas vezes na vida. 10 com o Professor Cyro Rezende, um feito extraordinário! Eu tinha esperanças que um dia nós discutiríamos acerca do meu TCC... Mas hoje sei que isso não mais será possível, pois Deus ceifou a vida deste ilustre professor de História, certamente para privá-lo de uma decepção maior. Pena que o que acabei de escrever é pouco para ilustrar uma perda tão grande. Os maiores pensadores do Éden, ou do Olimpo, ou do Paraíso, como quiserem, ganharam mais um companheiro: Cyro de Barros Rezende Filho, o Historiador das Guerras... E o meu professor de Messianismo, exemplo de educador".
- Bárbara Kelly Gonçalves dos Santos

Sua bênção, Professor Doutor (em História) Cyro de Barros Rezende Filho (1949-2012)

Quer atingir o topo do conhecimento (ou sua profundidade)? “...Leia Biografias!”

 

 

 

 

 

 

 

3 comentários:

  1. Olá Professor.... aqui é sua aluna Iolanda, que será eternamente grata pelos seus ensinamentos. Fiquei muito feliz em saber que o senhor agora tem um blog... Contribuíra muito para meu aprendizado.... Ao ler essa demonstração de admiração e carinho, lembrei-me do melhor professor de História que já tive: VOCÊ! Fiquei emocionada com as palavras e até mesmo porque poderiam ser utilizadas para também descrever o professor apaixonado José Gonçalves dos Santos... o que esse homem lhe disse ainda em vida é a mais pura verdade :"(...)você está fazendo falta aqui. Sua experiência é muito relevante para nós...” Saudades Professor.

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  2. Que maravilha esta experiência!
    Quanto ao professor Cyro, infelizmente não o conhecí, mas com certeza, diante de tudo que vc e Bárbara falaram a respeito, deve está em um bom lugar, Que Deus o tenha.

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  3. Não pude deixar de comentar...
    Sou médica e Professora da faculdade de Medicina da Unesp de Botucatu. No momento escrevo minhas memórias para o concurso de livre docência...
    Não pude me esquecer do Prof Cyro, com quem tive aulas de história no terceiro colegial da Escola Saad em Taubaté..
    Simplesmente incrível, como ele ensinava historia, como se estivéssemos dentro de um conto...
    Hoje exercendo a função de professora uiversitária, trago comigo a vontade de envolver meus alunos durante as aulas, como fazia o Prof Cyro. Imaginem quantos alunos ele influenciou. E essa também é minha paixão: formar pessoas. Obrigada, por fazer essa homenagem a ele... muito merecido!!

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