UMA PERDA IRREPARÁVEL
Por um curto período fui
aluno do Professor Cyro, quando em 2006, matriculei-me num curso de
especialização sobre História Contemporânea do Brasil na Unitau. Era um grupo
de 15 ou 16 alunos. Eu era o mais velho. Tinha um militar, professor de
Institutos Militares, e um médico. Formávamos, os três, o grupo mais maduro,
enquanto que os demais era todos jovens recém-egressos dos cursos de graduação,
portanto, animados e entusiasmados com as lides universitárias. Eu era o mais retraído, pois de experiência
levava apenas a minha vivência no
magistério em escolas públicas. Contribuía, sim, com os debates, porém com
muita reserva. Mas infelizmente, com pouco mais de um semestre de curso tive
que abandoná-lo, por circunstâncias alheias à minha vontade. A minha filha
estudava ma mesma universidade, no curso de graduação em História iHe era igualmente aluna do Prof.
Cyro. Algum tempo depois, encontrei-me com ele no campus da Universidade. Interpelando-me
disse: “Volte rapaz, você está fazendo falta aqui. Sua experiência é muito
relevante para nós...” . Não voltei... Mas suas palavras calaram fundo
em minha mente.
Natural da capital paulista, seu pai era médico (Cyro de Barros Rezende) e sua mãe poetisa (Fúlvia Carlini de Carvalho Lopes). Ficou órfão de pai aos 13 anos de idade. Rormado na USP, em História, com Doutorado e Pós-Doutorado, escreveu vários livros, entre eles “Guerra e Guerreiros na Idade Média” e “Economia Brasileira Contemporânea”.
O
Professor Cyro era uma Medievalista, isto é, especialista em História Medieval,
que aliás, foi tema de seu pós-doutorado, e “Gramsciano”, seguidor das idéias
de Gramsci. Morou um tempo na Inglaterra, período em que fez pesquisas no campo
da História Militar.
De
estatura acima da média, sua figura era única, pois adorava estar entre os
alunos, que o provocavam apenas para ouvir dele as respostas diretas, sem meias
palavras, às vezes rudes, de acordo com o nível das perguntas. Professor no
mais tradicional estilo dos grandes mestres, era enérgico, rigoroso nas notas,
porém tinha um “quê” de humanismo em sua postura.
O
Professor Cyro personificava, a meu ver, aquela que pessoa que perpassa todas
as etapas da vida no que Maslow determinou como a “Hierarquia das Necessidades”,
cujo ponto mais elevado, o cume, o apogeu é a “Auto-realização”, ou a conquista
do Conhecimento Holístico, onde a expressão “Holo”, no original grego,
significa o “todo”. Tal nível de conhecimento se adquire como o Professor Cyro
adquiriu, com estudos constantes, pesquisas e com o pós-doutorado. Até parece
uma utopia em tempos tão banais, como os de hoje, quando são oferecidas à
população sob o apanágio de uma intensa mídia, leituras fáceis, eivadas de
superficialidades.
Da
minha convivência com o Professor Cyro veio um ensinamento importantíssimo e
que foi protagonizada pela minha Filha Bárbara Kelly. Ela, curiosa, perguntou
como ele adquiriu tanto conhecimento e sua resposta foi pronta: “...
lendo biografias!”
Quando
nasce uma criança ela vem ocupar um lugar que é somente seu... E quando ela se
vai esse lugar volta a ficar vazio. E foi o que aconteceu no dia 26 de
Setembro: o Professor Cyro sofreu um infarto quando trabalhava em seu
computador. Foi encontrado morto no outro dia e ao seu lado estava aberto um
livro sobre a Idade Média.
Bárbara Kelly Gonçalves dos Santos
Muito
mais do que eu, minha filha Bárbara Kelly Gonçalves dos Santos vivenciou
intensamente, na sua passagem pela Universidade de Taubaté, as relações
professor-aluno, ela e Cyro. O que segue é o seu depoimento.
"Eram das três da manhã e eu me
encontrava dormindo... debruçada sobre um livro de História. A página, toda
rabiscada, versava sobre “Cruzadas” e “Movimentos Messiânicos Israelenses”. Eu
havia sucumbido ao Deus do Sono... depois de muitas horas de estudo e muita
pressão psicológica. Mas a campainha dentro do meu cérebro já se punha a tocar,
pois ainda havia muito o que ler, o que
saber, o que compreender... Eu teria
prova de História Antiga às dezenove horas se aproximava célere. Dentro do
ônibus, a caminho da faculdade, eu ainda lia desesperadamente, meus
apontamentos. Cheguei a cochilar e a agarrar o braço da senhora idosa que se
encontrava ao meu lado. Pobrezinha! Nem imaginava como eu estava nervosa.
Precisava tirar uma nota relativamente alta, mais que oito de preferência. Não
podia perder o ano, não podia decepcionar o meu pai, e é claro, tinha que
mostrar aos meus companheiros de classe, muitos deles repletos de soberba em
relação a mim, a menininha esquisita de cabelos coloridos, que eu estava
cruzando as veredas corretas da intelectualidade. Como eu ainda era imatura!...
Sim, com certeza! Sentimentos de criança
ainda rondavam a minha esforçada mente universitária. Mas o que eu queria mesmo
era impressionar o professor, o sujeito mais fora do comum que eu já conheci na
vida. Ele detinha uma quantidade tão gigantesca de conhecimento que eu deseja
arduamente ser como ele. E esse conhecimento se misturava a um senso de humor
que beirava a crueldade, admito. Mas aquele jeito de ser era fantástico. O
verdadeiro historiador... o dono da verdade (não absoluta). Eu simplesmente não
podia tirar uma nota vermelha, seria muito constrangedor... Seria triste...
Seria o fim do mundo! Eu havia prestado muita atenção a cada palavra do
professor nas aulas. Anotei, desenhei, rabisquei; eu queria muito ser uma
professora como ele, um dia. Fiz a prova em menos de uma hora e sai confusa.
Tinha me saído bem? Não sabia dizer. Na próxima semana, me veio a resposta: 10
com louvor! O professor me chamou à frente e disse, com sua ironia costumeira e
que tanto me divertia, que deveria ser feito um busto meu na faculdade.
Senti-me feliz como poucas vezes na vida. 10 com o Professor Cyro Rezende, um
feito extraordinário! Eu tinha esperanças que um dia nós discutiríamos acerca do
meu TCC... Mas hoje sei que isso não mais será possível, pois Deus ceifou a
vida deste ilustre professor de História, certamente para privá-lo de uma
decepção maior. Pena que o que acabei de escrever é pouco para ilustrar uma
perda tão grande. Os maiores pensadores do Éden, ou do Olimpo, ou do Paraíso,
como quiserem, ganharam mais um companheiro: Cyro de Barros Rezende Filho, o
Historiador das Guerras... E o meu professor de Messianismo, exemplo de
educador".
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Bárbara Kelly Gonçalves dos Santos
Sua
bênção, Professor Doutor (em História) Cyro de Barros Rezende Filho (1949-2012)
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